segunda-feira, 9 de julho de 2012

A MORTE

A morte vem de longe
do fundo dos céus
vem para os meus olhos
virá para os teus
desce das estrelas
das brancas estrelas
as loucas estrelas
trânsfugas de Deus
chega impressentida
nunca inesperada
ela que é na vida
a grande esperada!
A deseperada
do amor fraticida
dos homens, ai! dos homens
que matam a morte
por medo da vida.


Vinícius de Moraes

domingo, 8 de julho de 2012

TERNURA

Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos,
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que te deixo
Não traz o exagero das lágrimas nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma...
É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta, muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade o olhar extático da aurora.


Vinícius de Moraes

quarta-feira, 18 de abril de 2012

A Formalística

Adélia Prado


O poeta cerebral tomou café sem acúcar
e foi pro gabinete concentrar-se.
Seu lápis é um bisturi
                que ele afia na pedra,
na pedra calcinada das palavras,
imagem que elegeu porque ama a dificuldade,
                    o  efeito respeitoso que produz
                                  seu trato com o dicionário.
Faz três horas já que estuma as musas.
O dia arde. Seu prepúcio coça.
Daqui a pouco começam a fosforecer coisas no mato.
A serva de Deus sai de sua cela à noite
                                 e caminha na estrada,
passeia porque Deus quis passear
                                                   e ela caimha.
O jovem poeta,
              fedendo a suicídio e glória,
rouba de todos nós e nem assina:
                'Deus é impecável.'
As rãs pulam sobressaltadas
             e o pelejador não entende,
quer escrever as coisas com as plavras.

sábado, 31 de março de 2012

Clarice Lispector

"E na minha grande dilatação, eu estava no deserto. Como te explicar? eu estava no deserto como nunca estive. Era um deserto que me chamava como um cântico monótono e remoto chama. Eu estava sendo seduzida. E ia para essa loucura promissora. Mas meu medo não era o de quem estivesse indo para a loucura, e sim para uma verdade - meu medo era o de ter uma verdade que eu viesse a não querer, uma verdade infamante que me fizesse rastejar e ser do nível da barata. Meus primeiros contatos com as verdades sempre me difamaram."

segunda-feira, 26 de março de 2012

Ainda Clarice...

" E na minha grande dilatação, eu estava no deserto. Como te explicar? eu estava no deserto como nunca estive. Era um deserto que me chamava como o cântico monótono e remoto chama. Eu estava sendo seduzida. E ia para essa loucura promissora. Mas meu medo não era o de quem estivesse indo para a loucura, e sim para uma verdade - meu medo era o de ter uma verdade que eu viesse a não querer, uma verdade infamante que me fizesse rastejar e ser do nível da barata."

domingo, 25 de março de 2012

Clarice Lispector

"Dá-me a tua mão desconhecida, que a vida está me doendo, e não sei como falar - a realidade é delicada demais, só a realidade é delicada, minha irrealidade e minha imaginação são mais pesadas."

quinta-feira, 22 de março de 2012

Clarice Lispector

"Um olho vigiava a minha vida. A esse olho ora provavelmente eu chamava de verdade, ora de moral, ora de lei humana, ora de Deus, ora de mim. Eu vivia mais dentro de um espelho"
in A Paixão Segundo G.H.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Elegia quase uma ode

...
Que hei de fazer de mim que sofro tudo
Anjo e demônio, angústias a alegrias
Que peco contra mim e contra Deus!
às vezes me parece que me olhando
Ele dirá, do seu celeste abrigo:
Fui cruel por demais com esse menino...
No entanto, que outro olhar de piedade
Curará neste mundo as minhas chagas?
Sou fraco e forte, venço a vida: breve
Perco tudo; breve, não posso mais...
Oh, natureza humana, que desgraça!
Se soubesses que força, que loucura
São todos os teus gestos de pureza
Contra uma carne tão alucinada!
Se soubesses o impulso que te impele
Nestas quatro paredes de minha alma
Nem sei o que seria deste pobre
Que te arrasta sem dar um só gemido!
É muito triste se sofrer tão moço
Sabendo que não há nenhum remédio
E se tendo que ver a cada instante
Que é assim mesmo, que mais tarde passa
Que sorrir é questão de paciência
E que a aventura é que governa a vida.
Oh ideal misérrimo, te quero:
Sentir-me apenas homem e não poeta!

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Aninha e Suas Pedras

[pedras no caminho_250x250[3].jpg]

Não te deixes destruir...
Ajuntando novas pedras
E constrindo novos poemas.

Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doce.
                                                     Recomeça.

Faz de tua vida mesquinha
um poema.
E viverás no coração dos jovens
E na memória das gerações que hão de vir.

Esta fome é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que tem sede.

Cora Coralina

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Canção

                               Allen Ginsberg

O peso do mundo
                é o amor.
Sob o fardo
                da solidão,
sob o fardo
                da insatisfação

                o peso
o peso que carregamos
                é o amor.

Quem poderia negá-lo?
                Em sonhos
Nos toca
                o corpo,
em pensamentos
                constrói
um milagre,
                na imaginação
aflige-se
                até tornar-se
humano –

sai para fora do coração
                ardendo de pureza –
pois o fardo da vida
                é o amor.

mas nós carregamos o peso
                cansados
e assim temos que descansar nos braços
                do amor.

Nenhum descanso
                Sem amor,
Nenhum sono
                Sem sonhos
De amor –
                Quer esteja eu louco ou frio,
obcecado por anjos
                ou por máquinas,
o último desejo
                é o amor
- não pode ser amargo
                não pode ser negado
não pode ser contido
                quando negado:

o peso é demasiado

- deve dar-se
sem nada de volta
                assim como o pensamento
é dado
                na solidão
em toda excelência
                do seu excesso.

Os corpos quentes
                brilham juntos
na escuridão,
                a mão se move
para o centro
                da carne,
a pele treme
                na felicidade
e a alma sobe
 feliz até o olho –

sim, sim,
                é isso que
eu queria,
                eu sempre quis,
eu sempre quis
                voltar
ao corpo
                em que nasci.